No livro “Prato Sujo – como a indústria manipula os alimentos para viciar você“, de Marcia Kedouk, encontramos na pagina 69 em diante o seguinte:
Desde a infância, somos educados a ter uma relação de poder com a comida: para comer a sobremesa, você precisa comer a verdura – a premiação depois do sacrifício. Quando você cresce, conquista a independência alimentar e pode comer “nuggets” todo dia, sorvete e chocolate sem fazer as escalas em repolhos e acelgas, pipoca em frente à TV nas tardes inúteis de domingo. Porque você merece uma recompensa imediata, depois de um dia difícil. Você merece, depois de ter levado um fora, de ter sido promovido ou despedido. Não porque esta com fome ou desaprendeu a comer. Autoindulgências. “É uma relação inconsciente que mães estabelecem com os filhos quando prometem sobremesa depois da chicória e que a indústria alimentícia – e a do cigarro também – usa com maestria”, me contou Robson Henriques, publicitário, pesquisador e historiador, que trabalhou com as maiores marcas de cigarro, alimentos e consumo do mundo.
Nos manuais de boas praticas da propaganda de cigarro estavam escritas as regras de ouro da recompensa imediata para os fumantes: os homens ficavam instantaneamente mais viris, aventureiros, misteriosos e desejados. Mulheres ganhavam autoconfiança e certo ar de rebeldia. Atores e atrizes de Hollywood eternizaram que fumar era sexy. As marcas patrocinavam cada vez mais eventos esportivos, principalmente aqueles ligados à aventura, para o fumante se sentir radical e livre só de acender um cigarro.
Com a comida, acontece o mesmo: redes de “fast food” vendem felicidade, e não hambúrguer e batata frita; refrigerantes são abraços apertados em quem você mais ama; margarina é a garantia de família unida e contente; cereais, biscoitos e “cookies” cheios de açúcar são energia para encarar o dia; comida congelada é a certeza de elogios do maridão, da mulher ou dos filhos e, grátis, tempo livre para ficar com eles. Porque você merece neste exato momento, ora!
Do ponto de vista comercial, não existem motivos para pensar que comprar comida é diferente de comprar cigarro ou roupa ou carro. De um lado, existe um consumidor com um desejo ou uma necessidade buscando satisfação. E do outro tem alguém que desenvolveu um produto ou serviço e esta buscando lucro. Gostaria de acreditar que a indústria alimentícia tem intenções mais nobres do que a do cigarro. Mas na embalagem comprada pelo fumante está escrito que aquele vício pode causar câncer no pulmão. E nas latas de refrigerante? Não me lembro de ter visto indicações sobre o risco de desenvolver obesidade e males associados a ela. [ diabetes do tipo 2 é uma delas]
Quando as restrições ao tabagismo começaram, na década de 1980, a coisa começou a mudar. O Ministério da Saúde obrigou os fabricantes a estampar na embalagem uma frase dizendo que aquilo fazia mal. Depois vieram as fotos de pessoas doentes, a criação de fumódromos nos locais fechados e, hoje, a permissão de soltar fumaça apenas ao ar livre.
Criou-se uma consciência a respeito do tabaco, que naquela época estava relacionado às principais causas de morte nos Estados Unidos. Em 2004, a liderança do ranking foi perdida para as doenças derivadas da má alimentação. Por que?
Porque, se hoje o poder de convencimento da indústria do cigarro foi limitado, o da comida industrializada foi ampliado. Enquanto você lê este livro, um grupo de americanos está reunido em uma sala respondendo a perguntas de um entrevistador interessado nas impressões deles sobre uma determinada comida. Aconteceu, por exemplo, quando eles quiseram saber o que leva as pessoas a comprar café.
Eles passaram a primeira hora falando sobre coisas praticas e racionais ligadas ao café, como o preço do produto e quantas xícaras tomam por dia. O entrevistador fingia que dava a maior importância, mas na verdade não estava nem aí.
Na segunda hora, as perguntas foram para o lado mais emocional e o papo começou a ficar bem mais interessante: o café alivia as tensões acumuladas? É bom para uma pausa no trabalho? Facilita a interação com os outros?
Na terceira hora, os participantes foram convidados a se deitar. A idéia era que atingissem o estado em que ficam logo depois que acordam, quando ainda não estão conscientes das tarefas do dia. Conforme pensamentos e lembranças vinham à mente, eles anotavam tudo em uma folha de papel e depois voltavam a relaxar. A atividade beirava a terapia.
Essa é uma reunião comum na empresa do antropólogo francês Clotaire Rapaille, fundador e presidente da Archetype Discoveries Worldwide, especialista em marketing e estratégia de comunicação baseados no comportamento humano. Para conduzir seus estudos, o antropólogo se baseia na teoria dos três cérebros criada pelo neurocientista e psiquiatra Paul MacLean na década de 1960.
MacLean identificou três regiões principais no cérebro com funções diferentes: o neocórtex, onde se processam o raciocínio e a linguagem; o sistema límbico, relacionado às emoções; e o reptiliano, que é a parte mais primitiva, ligada aos instintos. No caso do café ali atrás, o objetivo era saber o que fazia os americanos quererem comprá-lo. “O gosto”, responderam no começo, usando a razão para elaborar algo que parecia fazer sentido para eles.
Na segunda etapa, aquela em que sensações entram no jogo, surgiu um motivo diferente: era o aroma que os levava a querer o café. Mas por que? A charada só foi descoberta na terceira hora da reunião, quando o grupo estava naquele estado de relaxamento e desorientação que a gente experimenta logo que acorda.
Nessa hora, o córtex racional ainda não está totalmente ativado e o que prevalece são as áreas mais antigas e instintivas, ligadas às emoções. Pois então se descobriu que os americanos compram café porque o cheiro remete, inconscientemente, à mamãe preparando com muito amor a primeira refeição do dia e garantindo a sobrevivência da família. Faz todo o sentido.
Rapaille e sua turma sugeriram que o fabricante injetasse aroma de café na embalagem para que o “cheirinho de infância” inebriasse o consumidor na hora em que ele a abrisse. Foi um sucesso. Para a neurocientista Sarah Leibowitz, pesquisadora da Universidade Rockfeller, nos Estados Unidos, cada vez que comemos, o cérebro registra uma ficha completa com o gosto, o cheiro, as sensações e o nível calórico que acompanharam as mastigadas. E, na infância, esses registros são mais intensos.
Agora, pense nos bebes com menos de 3 meses de idade comendo açúcar. Naqueles com menos de 1 ano bebendo refrigerante. Nas crianças levadas frequentemente a lanchonetes de “fast food”. Em você comendo toneladas de carne com batata frita. Olha só que tipo de memória ligada á infância, à família e ao prazer está sendo gravada na parte mais primitiva do cérebro.